Dos jovens do ensino médio no Brasil, 28% querem ser profissionais de saúde, 17%, de tecnologia, 11% pretendem atuar em profissões das ciências humanas e outros 11%, nas de engenharia. A educação está lá embaixo na lista. Somente 7% desejam trabalhar nessa área, sendo ainda menor o número de interessados em se tornar professores: apenas 5%.
Esse é só um de vários dados desoladores levantados no estudo Planejamento da Força de Trabalho Docente, apresentado na semana passada a secretários de Educação pelo Instituto Península (IP). A organização, fundada pela família Abílio Diniz para desenvolver projetos de melhoria na educação centrados nos professores, alertou os gestores de que, se nada for feito para tornar a carreira mais atraente, há risco de faltar docentes, especialmente para o novo ensino médio e o ensino integral. Por lei, o primeiro deve ser implementado em todas as escolas em 2022, e o segundo, estar presente em pelo menos 50% delas até 2024.
Tanto a mudança curricular quanto a ampliação da carga horária vão demandar não só mais professores, como profissionais com uma melhor formação, capazes de dar conta dos novos objetivos pedagógicos, que envolvem, além dos conteúdos tradicionais, orientação dos alunos sobre projeto de vida e desenvolvimento de suas habilidades socioemocionais.
O país já enfrenta déficit de docentes, que pode ser menor ou maior a depender da área do conhecimento, mostrou o estudo do IP, que compilou três pesquisas realizadas de dezembro de 2020 a agosto deste ano, uma delas em parceria com a Fundação Getulio Vargas. Em língua portuguesa, ciências e educação física, 80% dos professores, em média, têm a formação específica para ministrar suas disciplinas. Já para matérias do fundamental 2 (6º ao 9º ano) e do ensino médio, a situação é mais grave. Em física, química, sociologia e filosofia, por exemplo, só 65% dos professores fizeram as graduações corretas para dar as aulas. Em inglês, não chega à metade. O nome dado por pesquisadores a esse fenômeno de preencher as vagas com professores sem a formação adequada é "escassez oculta".
Há desigualdade entre estados. No Paraná, em Mato Grosso do Sul e em Minas Gerais, por exemplo, chegam a 90% os docentes com formação adequada às disciplinas que ministram. Já na Bahia, em Pernambuco e no Tocantins, isso ocorre só com a metade. Sem medidas para reverter o quadro, ele tende a se agravar, alerta o IP, diante do baixo interesse dos jovens pela carreira e das aposentadorias dos professores nos próximos dez anos.
O novo ensino médio traz outro complicador para a alocação de professores: os alunos escolhem a cada ano os seus currículos, concentrando-se em áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências naturais, ciências humanas e ensino técnico). Com isso, pode ser que exploda periodicamente a demanda por docentes com uma determinada formação. Em São Paulo, por exemplo, o secretário de Educação, Rossieli Soares, publicou em sua conta no Twitter, no início deste mês, que o itinerário de ciências humanas e linguagens foi a opção de 87,9% dos que irão cursar em 2022 o 2º ano do ensino médio.
Além da falta de formação específica, outro problema no Brasil é que é alta a relação do número de alunos por professor. Isso dificulta uma metodologia de ensino mais individualizada, concentrada nas dificuldades e nas habilidades de cada aluno. Também complica a orientação personalizada do novo ensino médio e a recuperação pós-pandemia, quando as desigualdades de aprendizado se ampliaram. São, em média, de 24 a 25 alunos por professor no fundamental e no médio, enquanto nos países mais ricos a relação varia de 10 a 15 no fundamental e de 10 a 20 no médio. Da mesma forma há contrastes regionais e por estágios da educação. Enquanto no ensino fundamental 2 do Paraná, por exemplo, são 10,5 alunos por professor, no ensino médio do Amazonas, a média sobe para 28,7.
Os jovens rejeitam a carreira, entre outros motivos, por considerarem que a remuneração não é adequada. O salário médio na rede estadual para os professores de 18 a 24 anos é de R$ 2.498. Os que têm acima de 45 anos ganham R$ 5.983, em média. Nas municipais, os valores são ainda mais baixos: R$ 2.331 (18-24 anos) a R$ 4.077 (+45). Ressalte-se aqui que nas particulares a situação não é melhor, ao contrário: de R$ 1.502 (18-24) a R$ 2.996 (+45).
São valores bem abaixo da expectativa dos jovens do ensino médio. Para que topassem se tornar professores, de acordo com o estudo, o salário inicial teria que ser de R$ 5.183. Ainda que, em média, o salário do professor no início de carreira seja competitivo em relação ao de outras profissões, as realidades locais são díspares, e, nas regiões mais ricas, em que a competitividade é maior, a remuneração do docente perde para a de outras atividades. Na semana passada, o governador de São Paulo, João Doria, pré-candidato à Presidência, apresentou um plano para elevar em 73% o piso inicial dos docentes do Estado: do atual, de R$ 2.886, para R$ 5.000. A proposta ainda precisa ser aprovada pela Assembleia Legislativa.
Melhorar a remuneração é essencial, mas não resolve a equação. Os estudantes também se afastam da ideia de se tornar docentes porque sabem que teriam de enfrentar, do Oiapoque ao Chuí, condições de trabalho longe das ideais. Se, por um lado, a pandemia fez com que os professores fossem mais valorizados pelas famílias, por outro, reforçou a ideia de que a profissão é uma missão para heróis, envolta em sofrimento. O trabalho para quebrar estereótipos é árduo e deve envolver um grande esforço das redes de educação e uma estratégia nacional coordenada, centrada em bolsas para estudantes, melhoria da qualidade de formação e da gestão de contratação e de alocação de professores.
Antes de mais nada, contudo, para se ter alguma chance de convencer um estudante de que não é preciso ser herói para seguir a carreira de docente, seria necessário um governo que tivesse um projeto para a educação muito diferente de bizarrices como Escola sem Partido e ensino domiciliar, cujo objetivo é proteger as crianças e os jovens de "professores vilões".