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Seg, 24 de Outubro 2016 - 18:13

'Educação no Brasil está sob ameaça', alerta educadora da Unicamp

Para Ângela Soligo é essencial valorizar e dar espaço a docentes e alunos. Pesquisadora teme alienação como na ditadura militar, e dá alternativas.

Por: Arlete Moraes* Do G1 Campinas e Região

 
 
"Neste momento a situação da educação no Brasil eu diria que está sob ameaça". A opinião é da pesquisadora, psicóloga e professora da Faculdade de Educação da Unicamp, em Campinas (SP), Ângela Soligo, sobre o atual momento do ensino no país e a reforma do ensino médio proposta pelo governo federal.
 
Para ela, é necessário ter mais conhecimento para saber educar no país e evitar a alienação, o fantasma da ditadura militar. Na última semana, alunos que protestaram em Campinas contra a reforma chegaram a ser detidos. Primeiro após ocuparem uma escola estadual no dia 13 de outubro. E, nesta terça-feira (18), um deles recebeu descarga de uma pistola de choque usada pela Guarda Municipal. Ângela faz um alerta sobre esses acontecimentos.
 
"Esses estudantes estão fazendo o papel que todo cidadão e cidadã brasileiro deveria fazer, que é defender um bem coletivo que é a educação. Como a polícia está a serviço do poder, ela vai atacar quem hoje defende a democracia, é isso que está acontecendo".
 
A ação da terça foi realizada pela Guarda Municipal, que justificou que os guardas recebem treinamento adequado para enfrentar esse tipo de protesto.
 
“Uma ação lamentável mas, infelizmente, necessária. Eu acho que a Guarda agiu com treinamento necessário, com um mínimo possível de danos que pudesse haver", afirmou o secretário municipal de Segurança Luiz Baggio.
 
Educação em risco
 
Para haver uma real mudança é necessário melhorar a estrutura das escolas e investir na valorização do professor, segundo a psicóloga. As medidas propostas na reforma do ensino médio não atendem às necessidades da educação brasileira. "Para você ter uma educação de qualidade, isso a experiência mundial já mostrou, você precisa ter uma carreira docente valorizada", afirma Ângela.
 
Em países como a Finlândia, que possui grandes índices educacionais, um dos aspectos centrais da educação é a carreira do professor, as condições de trabalho e a sua valorização, lembra a educadora. "Queremos copiar a educação da Finlândia, vamos começar pelos professores. Em países que têm um bom desempenho educacional, têm uma grande valorização do trabalho do professor", sugere.
 
Ditadura militar
 
A educadora, que foi estudante durante o período da ditadura militar, alerta que é preciso pensar que tudo o que é realizado no campo da educação afeta o conjunto da sociedade. Para ela, o ensino proposto no período militar trouxe sequelas que ainda interferem no comportamento dos indivíduos.
 
"O impacto foi a formação de gerações com uma visão estreita de especialista, que é competente na sua área, mas que não pensa para além da sua linha reta. De um tecnicismo exagerado, cidadãos que não são capazes de pensar que o seu trabalho tem reflexos no conjunto da sociedade ".
 
'Gerações mais alienadas'
 
A reforma do ensino médio, segundo a pesquisadora, reduz as ciências humanas da formação da juventude e vai na contramão dos especialistas que defendem a necessidade de os jovens terem uma melhor formação humanística. Isso pode gerar um grande impacto para as próximas gerações.
 
Certamente, você terá gerações mais alienadas, menos compreensivas de como as políticas afetam a sua vida, menos compreensivas do seu papel como cidadão e menos críticas das informações que chegam por vários meios todos os dias. Então, gerações mais manipuláveis. Esse é um risco para a cidadania e para a democracia", aponta.
 
Angêla também pontua que faltou diálogo do governo.  "Não houve diálogo com quem precisa haver. Com quem uma reforma educacional precisa dialogar? Com professora e professor, com estudantes, com pais e a comunidade e com os pesquisadores do campo da educação. Então, essa reforma não fez isso. É muito provável que ela trará mais prejuízos do que benefícios", critica.
 
O projeto "Escola Sem Partido" também representa um risco, segundo ela. A medida retira dos professores a autonomia para definir quais temas serão abordados em sala de aula e, com isso, reduz a capacidade de os alunos se tornarem cidadãos com pleno acesso ao conhecimento e, assim,  desenvolver pensamento crítico.
 
"Os preconceitos estão na escola. Mas, não se pode discutir sobre isso. Que sociedade você está propondo para o Brasil? Uma sociedade mais intolerante, marcada pelos preconceitos. E isso significa impor a grande parcela da população um grande sofrimento. Então, essa é mais uma questão pela qual eu acredito que a educação toda está em risco", afirma.
 
Tentativas de melhora
 
A professora comenta ainda que, apesar das dificuldades históricas do país com relação ao ensino, nos últimos anos havia projetos em andamento para tentar melhorar a situação da educação brasileira.
 
Ela cita como exemplo os pactos nacionais pela alfabetização, fortalecimento do ensino médio, piso nacional para professores e desenvolvimento da educação básica. No entanto, na opinião da pesquisadora, com a aprovação da PEC 241, esses projetos podem ser prejudicados.
 
"Porque eu digo que agora toda a educação está em risco? primeiro, porque nós temos quase aprovada a PEC 241 que vai reduzir ou vai impedir por 20 anos qualquer novo investimento em educação, em saúde e assistência social também. Então, veja bem: um país que cresce, que terá todo ano, novos alunos, novos professores, novas demandas e não pode investir em educação. Então isso coloca sim a educação em risco".
 
Educação exige conhecimento
 
O programa "Criança Feliz", lançado pelo presidente Michel Temer, tem como  objetivo, segundo o governo, fortalecer as políticas públicas para crianças de até 3 anos, cujas famílias são beneficiárias do Bolsa Família.
 
No entanto, de acordo com Ângela, o projeto é um retrocesso porque desconsidera a necessidade de o profissional que cuida da educação infantil ter uma formação alicerçada pelo conhecimento em áreas específicas. Além disso, ela acredita que como política de estado, essa é uma decisão inadequada
 
"A educação da criança pequena exige conhecimento, exige intencionalidade, exige um profissional formado para isso porque ele vai lidar com várias crianças diferentes, que vêm de famílias diferentes, com hábitos diferentes", comenta.
 
Da mesma forma, a professora acredita que a incorporação de profissionais com "notório saber" nas salas de aula, é uma concepção de ensino já superada internacionalmente. "Isso é superado também no mundo inteiro. Reconhece que para ser um bom professor você precisa mais  do que saber conteúdo de uma matéria. Você precisa também dominar o campo da educação".
 
A desqualificação dos docentes pode ser prejudicial para a sociedade e todos esses aspectos podem interferir no futuro e na qualidade da educação brasileira. "Tudo isso leva para um lugar que é o enfraquecimento da educação brasileira. Isto, em curto, médio e longo prazo, é desastroso para a nação", conclui.
 
Jovem como protagonista 
 
A não evolução das práticas de ensino das escolas é um outro aspecto que gera a preocupação da pesquisadora. De acordo com Ângela, a escola precisa mudar o seu modo de dialogar com o conhecimento e com o estudante para que os jovens se interessem.
 
A professora também pontua que o insucesso de muitos alunos está associado à forma como as escolas lidam com o comportamento deles.
 
A indisciplina, segundo ela, não deveria ser um rótulo para os estudantes, pois é uma forma de ele ser crítico e de mostrar a insatisfação com o modo de ensino. A escola precisa apostar em experiências novas, que envolvam todos os alunos.
 
"Nas semanas de preparação das feiras de ciência todos os alunos se envolvem (...) Aí, chega a semana da feira de ciências e ‘esse fulano que não tem jeito’ se destaca (...) Ele foi envolvido em uma atividade motivadora, em que todo o conhecimento vai estar lá, mas ele é o protagonista. Ele é ator, ele pode produzir", explica.
 
Além disso, a educadora acredita que o sucesso da educação também depende de professores motivados, já que a escola é, em muitos casos, o único lugar no qual estes jovens terão acesso a uma rica experiência de aprendizagem.
 
'Ideologia da democriacia racial'
 
Ainda de acordo com Ângela, que pesquisa o racismo na Unicamp, há problemas mais importantes na educação brasileira que a reforma do ensino médio não contempla, como por exemplo o preconceito racial.  O reconhecimento do Brasil como um país racista só ocorreu, segundo ela, em 2001, na Conferência Mundial Sobre o Racismo das Nações Unidas, realizada na cidade de Durban, na Africa do Sul.
 
Entretanto, a educadora destaca, que embora os movimentos negros e o conhecimento acadêmico venham tratando do assunto, ainda há muito o que se fazer para superar o preconceito.  "Nós estamos muito longe de conseguir superar porque nós vivemos num país que se acredita uma democracia racial. É o que a gente chama de ideologia da democracia racial. Então, no Brasil, as pessoas têm muita resistência a falar do racismo, falar do preconceito", comenta.
 
Foi a partir do tratado assinado na ONU, segundo Ângela, que as políticas de enfrentamento começaram a ser discutidas e, em 2003, foram para as salas de aula, como leis que obrigam o ensino da história da África, das africanidades, na educação básica e na formação dos professores.
 
"A lei 10.639, o intuito dela é exatamente ir construindo uma outra visão sobre a nossa própria história (...) De como a negritude está em todos nós, na forma como nos constituímos como nação (...) E as pessoas negras construíram este país".
 
'A escola não enfrenta o racismo'
 
Ângela, que participa de pesquisa sobre como a história da Africa é discutida nas escolas municipais, acredita que as instituições ainda não têm políticas de combate efetivo ao preconceito racial. A escola não enfrenta o racismo, ela não confronta o branco com o seu racismo. A escola silencia.
 
Ela adverte que, para isso acontecer, é preciso haver uma intencionalidade na escolha dos conteúdos que serão abordados pelos professores em sala de aula. O professor precisa, segundo ela, estar preparado para essa reflexão. "Os professores e professoras precisam estar dispostos a enfrentar na sala de aula as situações de violência racial", completa.
* Sob a supervisão de Patrícia Teixeira
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