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Ter, 04 de Dezembro 2018 - 15:59

Na Lei ou "na marra", extrema-direita empurra "Escola sem Partido"

Por: Daniel Cassol ? Jornalista - Revista da Adusp - Edição 62 (novembro * 2018)

 
 
Enquanto o "Escola Sem Partido" se multiplicava em projetos de lei pelo Brasil, ao longo dos últimos dois anos professoras e professores vêm sentindo os efeitos do clima de perseguição estimulado pelo movimento e procuram ensaiar uma reação. Porém, por razões de natureza política e ideológica, as denúncias contra docentes continuam a proliferar.
 
Os defensores do "Escola Sem Partido" estimulam pais e alunos a delatarem professores, apresentados como "aproveitadores" de uma "plateia cativa" de alunos. Os resultados eleitorais obtidos pelas candidaturas de extrema-direita nas eleições de 2018 repõem na agenda os ataques à liberdade de expressão e à liberdade de cátedra e tendem a estimular a retomada dessa proposta nas casas legislativas.
 
O fechamento da exposição "QueerMuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira" parecia um bom tema para a prova de História naquele 18 de setembro de 2017. Por pressão de ativistas do Movimento Brasil Livre (MBL), a mostra realizada em Porto Alegre acabara de ser cancelada e a Internet ainda ardia em debates aca lorados. Aos seus alunos do terceiro ano do ensino médio de uma escola estadual da Grande São Paulo, o pro- fessor que terá seu nome preservado propôs que discorressem sobre o papel da arte como crítica à sociedade e que fizessem "aproximações e distanciamentos" entre a ação do MBL pelo fechamento da exposição e a grande queima de "arte degenerada" promovida pelo nazismo. "Se o aluno falasse que a atitude do MBL não tem nada a ver com a postura dos nazistas e justificasse sua resposta, ela es-taria correta", justifica o professor.
 
A questão parecia pertinente. Outros historiadores traçavam o mesmo paralelo e o professor estava tra balhando Nazismo e Segunda Guerra Mundial naquele momento. "Sempre tento contextualizar minhas atividades e o currículo de História. Isso, a meu ver, torna a História mais inteli- gível e os alunos conseguem, na me- dida do possível, fazer uma reflexão e possuir argumentos para discutir sobre determinado assunto", expli- ca o professor. A aproximação seria feita dez dias depois pelo procurador do Ministério Público Federal (MPF) em Porto Alegre, Fabiano de Moraes, que em recomendação pela reaber- tura da exposição escreveu que o episódio lembrava "situações perigosas da história da humanidade", citando a destruição de obras de arte na Alemanha durante o nazismo.
 
Mas os tempos são outros. Uma foto da prova foi parar nas redes sociais do MBL, que divulgou os nomes da escola e do professor. Centenas de comentários pediam sua demissão, entre outras ameaças. Ligado ao MBL, o Jornal Livre escreveu: "Mais uma vez, os ratos sicários da extrema-esquerda utilizam seus meios de propagar men- tiras e distorcer os fatos a seu favor".
 
"Sofri constrangimento. Na Internet fui tratado como criminoso por grande parte das pessoas que esta- vam nos comentários. Basicamente, toda a escola ficou sabendo do fato e, apesar de a maioria esmagadora dos alunos ficarem solidários a mim, eu tive que explicar algumas vezes o fato ocorrido, esclarecendo que eu não seria processado e nem seria demitido. Tive que perder parte do meu tempo de aula, explicando que eu não fiz absolutamente nada de errado", relata o professor.
 
Cerca de um mês antes, no município gaúcho de Uruguaiana, em meio à discussão do projeto de lei "Escola Sem Partido" na Câmara Municipal, uma professora de Educação Física se viu no centro da polêmica após um vereador solicitar seu plano de aula à Prefeitura. O motivo seria uma atividade sobre dança e bullying.
 
Professora municipal havia seis anos, ela procurava relacionar os esportes trabalhados com temas que conside- ra importantes para as turmas dos anos finais do ensino fundamental. Para abordar a dança, a professora propôs que os alunos fizessem uma enquete, em casa e nas ruas, perguntando se as pessoas aceitariam que o filho dançasse balé. "Para eles foi tranquilo. Ensinei como transformar dados em percentual, gráficos, apre- sentação de trabalhos e outros con teúdos. Gosto de fazer um trabalho sempre pensando no ensino médio e no mercado de trabalho", conta.
 
O requerimento apresentado pelo vereador diretamente ao prefeito é encarado como perseguição política pela professora. "O complicado não é ser vigiado. Quem faz o trabalho da forma correta não tem problema em ser questionado. A questão é a forma como ele faz. É levantar dúvidas em relação à moral e ao trabalho dos professores perante a comunidade. O professor tem relação de confiança com o aluno e a família. Quando é le- vantada uma sombra, é muito grave. É uma quebra de confiança na relação. É político", diz a professora.
 
As histórias dos dois professores expõem uma situação cada vez mais frequente no cotidiano das escolas públicas e particulares. Professores vêm sendo constrangidos e até ame- açados em função de suas atividades letivas, por pessoas inspiradas, e até certo ponto estimuladas, pelo movi- mento Escola Sem Partido, em nome do combate à suposta "doutrinação ideológica" nas escolas.
 
Em abril de 2017, relatores de Di reitos Humanos das Nações Unidas enviaram documento ao governo brasileiro alertando que o Escola Sem Partido poderia representar censura e violação ao direito de expressão nas salas de aula. Mas, enquanto pro- jetos de lei começavam a ser debati- dos na Câmara dos Deputados e propostas semelhantes eram replicadas nos Estados e municípios, na prática as ações motivadas pelo Escola Sem Partido já haviam se incorporado à rotina de muitas escolas. São casos de parlamentares intervindo em atividades de sala de aula, professores sendo expostos, denúncias ao Ministério Público e um clima geral de perseguição motivado, se não pela ameaça real, pela repercussão causa- da na vida escolar. Enquanto a "descontaminação ideológica" não vai pela lei, tenta-se fazê-la na marra.
 
Apesar de a polêmica no seu entorno ser recente, o movimento Escola Sem Partido foi fundado em 2004. Seu fundador e coordenador, o advogado Miguel Nagib, costuma contar que teve a ideia ao descobrir que o professor de História de sua filha havia comparado Ernesto Che Guevara a São Francisco de Assis. Mas a história só ganhou corpo dez anos depois. Em 2014, Nagib atendeu a um pedido do deputado estadual Flávio Bolsonaro, do Rio de Janeiro, e redigiu o que se tornaria o Projeto de Lei 2.974/2014, ainda em tramitação, que veda "a doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem co- mo a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos estudantes ou de seus pais".
 
Atualmente, tramitam nas assembleias legislativas de dez Estados e do Distrito Federal projetos de lei baseados no Escola Sem Partido. No Paraná e no Espírito Santo, iniciativas semelhantes foram arquivadas. No Congresso, diferentes projetos tentam incluir, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), desde o "respeito à convicção dos pais" ou restrições à "ideologia de gênero", até o próprio programa do movimen to. Além das assembleias, câmaras municipais em todo o país discutem projetos semelhantes.
 
O movimento "Professores contra o Escola Sem Partido" monitora os projetos de lei em tramitação nas casas legislativas. Levantamento de autoria da historiadora Fernanda Moura, atualizado até janeiro de 2018, aponta 158 projetos de lei tramitando em todo o país.
 
O MPF vem se manifestando pela inconstitucionalidade dos projetos. Em março de 2017, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar suspendendo o projeto aprovado pela Assembleia de Alagoas. A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino (Contee). O ministro considerou que a lei viola a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, além de apontar aparente violação a artigos da Constituição que garantem o caráter plural e humanístico da educação.
 
A pedagoga Lisete Arelaro, professora titular da Faculdade de Edu- cação da USP, acredita que a apro- vação dos projetos de lei, ou mesmo sua constitucionalidade, não estão entre as principais preocupações dos grupos favoráveis ao Escola Sem Partido. "Acredito que eles sequer este- jam preocupados com a aprovação ou não das leis. Claro que vão tentar e vai haver um movimento de resistência, que está acontecendo em todo o país. É bom lembrar que esse grupo é organizado, remunerado, pago para fazer isso. Não estamos lidando ape- nas com 'idealistas', com pessoas que acreditam na ideia. Estamos lidando com profissionais pagos para fazer isso. Não é uma ameaça virtual, é uma ameaça real. Em todas as reuniões de que tenho participado, infelizmente sempre temos depoimentos de pro- fessores afirmando que de alguma forma sofreram pressão. É importan- te que se diga que há vida inteligente nas escolas. As direções e os conse lhos costumam defender o professor", afirma.
 
O Escola Sem Partido estimula a denúncia e as notificações extrajudiciais contra professores, apontados como aproveitadores de uma "plateia cativa" de alunos. O site do movimento tem seções que explicam como "flagrar o doutrinador" e um modelo de notificação. A inspiração para a fiscalização das condutas dos professores, diz o site, vem do No Indoctrination, dos Estados Unidos, página de denúncias contra professores, hoje inativa.
 
Flávio Bolsonaro, autor, como vimos, do PL 2.974/2014 em curso na Alerj, acaba de se eleger senador pelo PSL, tendo entre os destaques da sua plataforma uma campanha de denúncias contra professores, intitulada "Sou Livre na Escola – Unindo Forças!". Sua página digital oferece um formulário a ser preenchido con forme a seguinte orientação: "Caso seu filho esteja sendo constrangido ou ameaçado em sala de aula, com material impróprio ou pelo profes- sor, preencha o formulário e envie sua denúncia para que ajudemos a tomar as providências legais cabíveis". Tudo isso ao lado de uma ilustração na qual um professor, susten- tado por cordas como um fantoche, desenha foice e martelo na lousa.
 
Na Câmara dos Deputados, também tramita um projeto que pretende transformar o Escola sem Partido em lei federal. Às vésperas do fecha- mento desta edição, no final de outubro, aguardava-se a votação do texto pela comissão especial responsável pela análise da matéria. O relator do projeto, deputado Flavinho (PSC-SP), havia apresentado novo substitutivo que inclui, em seu artigo 2º, a determinação de que "o Poder Público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero".
 
O artigo 1º do texto estabelece que a lei "disciplina o equilíbrio que deve ser buscado entre a liberdade de en- sinar e a liberdade de aprender, no âmbito da educação básica, em todos os estabelecimentos de ensino públi- cos e privados do País". É uma clara sobreposição ao artigo 206 da Consti- tuição, que fixa a "liberdade de apren der, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" como um dos princípios do ensino no Brasil.
 
O projeto também determina que sejam afixados nas escolas cartazes com uma lista de seis "deveres do professor". O primeiro deles: "O Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus pró- prios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias".
 
Fernanda Moura é autora da primeira pesquisa acadêmica sobre o Escola Sem Partido. Em dissertação concluída em dezembro de 2016, ela analisou os impactos do movimento no ensino de História. Para a historiadora, a efetividade dos projetos de lei tem pouca importância para os apoiadores do movimento, na medida em que seu objetivo é outro. "Acredito que o objetivo do Escola Sem Partido é amedrontar o professor. Eles repetem que existe doutrinação nas escolas, repetem que existe ideologia de gênero, repetem que existe um plano da esquerda para derrubar o capitalismo e o Estado através da destruição da família, e repetem tantas vezes que as pessoas começam a acreditar", diz.
 
Um dos aspectos do discurso do movimento, avalia a historiadora, está em reduzir o papel educacional do professor, tratando-o como alguém que "ensina a matéria". "A Escola deixa de ser um lugar de educação para ser apenas um lugar de instrução. Eles fingem desconhecer que a nossa Constituição coloca como finalidade da educação o 'pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho'. Eles negam a obrigação dos professores de formar a pessoa, formar o cidadão e focam apenas no formar o trabalhador. E mesmo assim não um trabalhador consciente e sim um trabalhador alienado", avalia.
 
"Todas as disciplinas saem prejudicadas, mas principalmente as mais focadas na formação do cidadão e da pessoa, caso das Ciências Humanas. O ensino de História fica preso ao tradicional. Não por acaso, os principais casos de perseguição envolviam professores de História", complementa Fernanda.
 
Com lei ou sem lei, a "fiscalização" de professores tem virado rotina. O vereador paulistano Fernando Holiday (DEM), ligado ao MBL, chegou a percorrer escolas para fiscalizar "o conteúdo que é dado em sala de aula, se está havendo algum tipo de doutrinação ideológica". Os casos mais frequentes são de políticos locais atuando de maneira semelhan- te em escolas públicas, mas não são poucos os casos de professores de escolas particulares sofrendo algum tipo de perseguição.
 
De acordo com Caio Bessa, diretor jurídico do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro-RS), a autocensura tem sido uma medida de proteção. "Muitos colegas se resguardam mais em al- guns aspectos. Acabam dando menos opinião ou mesmo tratando de assun- tos mais superficialmente. Por receio de perder o emprego na escola parti- cular, pela reação dos pais. Há muita gente sim que acaba não tratando de certos assuntos. São os tempos que vivemos. O crescimento do ódio e da intolerância acaba se refletindo na escola", afirma o dirigente.
 
Professor da Faculdade de Educação da USP, Ocimar Munhoz Alavarse pondera que são poucos casos frente ao universo de professores da educação básica, mas que é preciso entender o contexto em que eles ocorrem. "O número de casos é pequeno, até onde sei. A questão é a publicidade que eles têm feito sobre isso. É para disseminar o medo, um barulho maior que o movimento efe- tivamente tem. Dentro de um qua- dro mais geral de ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, aparecem esses algozes querendo se mostrar zeladores da ordem. São grupos pequenos, mas que fazem estardalhaço, têm acesso aos meios de comuni- cação e recebem uma visibilidade que não corresponde à extensão do movimento. É uma ameaça não pelo que eles fazem, mas pelo que potencialmente produzem em relação aos professores. Isso vai exigir das organizações, da própria universidade, uma reação", avalia.
 
Para Lisete Arelaro, os casos são sintoma de um problema mais grave que está por vir uma vez que foi aprovada a Base Nacional Curricular Comum (BNCC). "Há ataques de todas as maneiras. Mas eu vejo com preocupação o que virá com a Base. Essa situação vai se tornar mais grave na forma como o Ministério da Educação vem vinculando toda a formação do professor e dos alunos baseada majoritariamente na Base. Haverá com certeza distribuição de material didático em que os professores serão convidados a utilizar exclusivamente aquele material. A negociação do governo federal com grupos religiosos, sobre a chamada 'ideologia de gênero' na Base Nacional, é gravíssima. Isso compromete toda a nossa história e a liberdade de pensamento. Num cenário de desemprego e corte de recursos, em que qualquer coisa é encarada como ideológica, se o professor de- pender de uma recontratação anual, é lógico que você pode introduzir critérios esquizofrênicos como razões para sua demissão", diz a professora.
 
O movimento Escola Sem Partido atua em outras frentes, para além da aprovação de projetos de lei. Em uma de suas iniciativas mais importantes, ingressou na Justiça com uma ação civil pública na tentativa de anular o critério de avaliação da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que prevê o respeito aos direitos humanos, e divulgou um modelo de petição a ser usada pelos candidatos. A ação foi vitoriosa na 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por dois votos a um. O INEP, órgão do MEC responsável pelo ENEM, e a Procuradoria Geral da República recorreram ao STF, porém a ministra Carmen Lúcia manteve a decisão do tribunal.
 
Em outra frente, uma apoiadora do movimento tentou emplacar, no Congresso, uma proposta que retira de Paulo Frei re o título de patrono da educação brasileira. A proposta foi rejeitada e arquivada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.
 
Enquanto isso, denúncias e ameaças vêm sendo noticiadas em todo o Brasil. Em Curitiba, num dos casos mais marcantes de 2017, vereadores ligados a denominações evangélicas foram à Secretaria de Educação para verificar o que imaginaram ser um caso de "ideologia de gênero" em uma escola infantil municipal. Após tomar conhecimento de um bilhete da escola solicitando aos pais que os alunos fossem à aula vestindo roupas coloridas, para um trabalho sobre diversidade, o vereador Thiago Ferro (PSDB), bispo da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra e signatário de um projeto que institui o Escola Sem Partido nas escolas curitibanas, lide rou uma reunião de vereadores.
 
No fim, tratava-se de um projeto lançado pelo Ministério da Educação e pela Controladoria Geral da União (CGU) em 2015, em parceria com o desenhista Maurício de Souza, em que escolas públicas receberam material pedagógico baseado nos personagens da Turma da Mônica para serem trabalhados temas como responsabilidade social, respeito à diversidade, bem-estar coletivo e democracia.
 
Também em 2017, a Prefeitura de Ariquemes (RO), pressionada por vereadores, proibiu que as escolas distribuíssem livros didáticos com imagens de união homoafetiva e exemplos de diversidade de núcleos familiares. O caso foi parar na Justiça. Em agosto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou que os livros fossem distribuídos.
 
De volta ao senador eleito pelo RJ: ele é responsável por um dos casos de constrangimento a um professor. Diretor do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) 210, de Belford Roxo, e professor de Sociologia, Pe- dro Mara foi acusado de apologia às drogas por Flávio Bolsonaro, que foi ao Ministério Público e à Secretaria de Educação pedir seu afastamento do cargo. O parlamentar usou fotos publicadas pelo próprio professor em seu Facebook para mostrar sua atuação como militante político e a tatuagem de uma folha de maconha que Pedro tem no braço.
 
"A partir daí minha vida começou a virar um caos. A Secretaria resolveu instaurar uma comissão de sindicância que em tese deveria apurar apologia à maconha. Uma denúncia como essa tem que ser objetiva. Quando ocorreu a apologia? Em qual turma? Quem testemunha? Nunca houve apologia a qualquer coisa que seja, meus alunos, muitos deles evangélicos, me defenderam. Fizeram uma sindicância que não tinha foco", afirma Pedro. Para o professor, eleito diretor da escola depois de atuar na última greve de servidores estaduais, a sindicância fez parte de uma perseguição política contra ele e o debate sobre doutrinação é uma cortina de fumaça sobre a falta de es- trutura nas escolas do Rio de Janeiro.
 
"Não acho que o Escola Sem Partido vá prosperar juridicamente. Eles vão criar constrangimento. É o método que utilizam. Orientam gravar o professor. É uma tática antiética. É preciso uma saída coletiva, organizar a resistência para mostrar que a escola segue viva e isso é uma cortina de fumaça para esconder os problemas reais. Enquanto discutimos [o Esco la Sem Partido], a escola está sendo desmontada", diz.
 
MP e Secretaria acabaram não dando prosseguimento à denúncia de apologia às drogas. Mas o professor foi suspenso da direção da escola, em função de suas críticas à Secretaria.
 
Um dos episódios recentes mais chocantes de intimidação de docentes ocorreu em Natal (RN), numa escola privada, o Centro de Educação Integra da (CEI) Mirassol. O alvo dos ataques foi o professor Euclides Tavares, que leciona história do ensino médio. "Ele viu sua citação, em aula dedicada à his- tória do cinema, à Lei Rouanet, alvo de críticas dos seguidores do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, se transformar em pesadelo", segundo relato do portal da revista Época de 6 de outubro de 2018.
 
"De acordo com relato do professor e de um aluno ouvido pela reportagem, Tavares explicava por que símbolos de estatais como a Petrobras apareciam na abertura de filmes nacionais, indicando que ali se tratava de apoio através da Lei Rouanet. Serviram de fomento para a polêmica as menções feitas sobre os filmes Cidade de Deus e Tropa de Elite. Foi o gancho para Tavares argumentar que o problema das drogas no Rio de Janeiro era causado pela falta de enfrentamento dos políticos". Antes que a aula terminasse, a coordenação do colégio registrou a ligação de um pai.
 
"A coordenadora me chamou par perguntar o que houve, porque um pai ligou para dizer que eu esta- va fazendo discurso a favor de Lula e metendo o pau em Bolsonaro. Ele disse 'resolva, resolva porque se não quem vai resolver sou eu. Eu vou aí com mais três pais armados e ele vai ver porque Bolsonaro é... pra ser presidente do Brasil'. E pá! Bateu o telefone", narra Tavares em áudio que divulgou no WhatsApp.
 
Entidades e professores passaram a responder, com mobilização e até mesmo na Justiça, aos ataques esti- mulados pelo movimento. Em Porto Alegre, uma professora de escola particular conseguiu na Justiça que o pai de um aluno e um jornalista local apagassem publicações ofensivas contra ela.
 
No primeiro dia de aula, em fevereiro de 2017, a professora perguntou o que os alunos do 9º do Ensino Fundamental esperavam das aulas e como a Matemática poderia "ajudar a resolver problemas como corrupção, racismo, lgbtfobia, gordofobia, etc". A situação desagradou o pai de um aluno, que fez uma postagem em rede social criticando a professora, com fotos dela e informações sobre o local de trabalho, anunciando que pediria sua demis- são. Replicada no site do jornalista, pipocaram comentários com ameaças do tipo "nada que um tiro na testa dela não resolva".
 
O desembargador Gelson Rolim Stocker, da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho, determinou a retirada das publicações, sob pena de multa, sustentando que a situação havia extrapolado a mera crítica, en- volvendo ameaça à vida da professora, xingamentos e humilhações. O caso é importante na medida em que a pro- fessora procurou a Justiça, orientada pelo departamento jurídico do Sin- pro-RS. Há dez anos, o sindicato man- tém um Núcleo de Apoio ao Professor Contra a Violência (NAP), que antes atendia casos tradicionais de profes- sores vítimas de violência física, mas nos últimos tempos tem acompanhado casos relacionados à onda de perse- guição política. "Temos um posiciona- mento discutido em assembleia contra esse projeto que tramita em alguns municípios e na Assembleia, e temos nos posicionado contra o atraso des- te projeto, que inclusive é inconstitu- cional. Ao mesmo tempo, atendemos os professores que já sofrem algumas perseguições", comentou o dirigente sindical Caio Bessa.
 
Nas casas legislativas, projetos como "Escola Sem Mordaça", "Escola Livre" e "Escola para a Democracia" têm sido apresentados como contraposição. Para a historiadora Fernanda Moura, é difícil acreditar que projetos deste tipo sejam aprovados, mas têm papel importante no debate.
 
"Por dizerem respeito à mesma temática, o projetos são apensados ao Escola Sem Partido, fazendo com que a tramitação do projeto volte ao início. Além disso, ao menos simbolicamente temos um documento para lembrar aos legisladores o que a legislação brasileira diz sobre a liberdade de aprender e ensinar e sobre quais devem ser os objetivos da educação brasileira", sustenta Fernanda.
 
A associação "Professores contra o Escola Sem Partido" vem realizando debates em todo o Brasil e atuando no sentido de mostrar que os professores não estão sozinhos no enfrentamento a ameaças e constrangimentos.
 
O caso da professora Marlene de Fáveri, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), representa, de certa forma, esta transição entre o espanto e a reação coletiva. Coorde- nadora do Grupo Laboratório de Relações de Gênero e Família da Udesc, a historiadora foi processada em junho de 2016 por uma ex-orientanda do mestrado que pede indenização por danos morais por supostamente sofrer perseguição ideológica, por conta de sua posição antifeminista (contrária, portanto, à de Marlene).
 
"Quando recebi a convocação para responder a este processo, minha reação foi de incredulidade, dado que as aulas foram em 2013 e nada do que me denuncia se configura", conta Marlene, que além dos transtornos com deslocamentos a Chapecó, onde corre o processo, e da exposição nas redes sociais, chegou a se afastar temporariamente da universidade.
 
Uma nota da Associação Nacional dos Profissionais de História (ANPUH) fez o caso ser conhecido nacionalmente. A professora recebeu dezenas de cartas de apoio de diversas entidades. "A mobilização nacional em torno do caso, considerando seu teor político e o momento de práticas conservado- ras, foi e está sendo muito importante. Isso me fortaleceu, mas sobretudo fortaleceu e deu visibilidade a temas que querem proibir nas escolas, como gênero, feminismo, diversidades, inclusão, racismo, homofobias, educação sexual etc. Hoje, a mobilização está forte, e estamos todos em defesa de uma escola democrática e inclusiva", conclui.
 
Em marcante decisão tomada na sessão de 31 de outubro de 2018, o plenário do Supremo Tribunal Fede- ral (STF) referendou por unanimidade uma liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia que suspendeu atos do Poder Público (juízes eleitorais e po- lícias) que autorizaram e realizaram busca e apreensão de materiais de campanha eleitoral em universidades ou proibiram aulas com suposta te- mática eleitoral, bem como reuniões e assembleias de natureza política. Dias antes, mais precisamente no dia 25, às vésperas do segundo turno das eleições, dezenas de universidades em vários Estados sofreram ações desse tipo. Os ministros do STF defenderam com veemência a liberdade de cátedra e de ensino, a liberdade de expressão e a autonomia universitária.
 
No seu voto, o ministro Gilmar Mendes registrou o caso de incitação à violação da liberdade de cátedra pela deputada estadual eleita Ana Caroline Campagnolo (PSL-SC), que abriu um canal para alunos denunciarem professores que supostamente este- jam fazendo manifestações político- partidárias em sala de aula. "Mostra-se inadmissível que, justamente no am- biente em que deveria imperar o livre debate de ideias, se proponha um policiamento político-ideológico da rotina acadêmica", avaliou Mendes.
 
O Ministério Público de Santa Catarina ajuizou ação na qual propõe que a deputada eleita seja condenada a pagar multa por danos morais coletivos, no valor de R$ 70 mil que seriam destinados ao Fundo para Infância e Adolescência.
 
 
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