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Seg, 30 de Outubro 2023 - 15:56
ENTREVISTA YUVAL NOAH HARARI- HISTORIADOR
“JUSTIÇA NÃO É META ALCANÇÁVEL, MAS A PAZ É”
EM CONVERSA COM APRESENTADOR LUCIANO HUCK, FILÓSOFO DIZ QUE ISRAELENSES E PALESTINOS ESTÃO NESTE MOMENTO INCAPAZES DE DIALOGAR, O QUE REDOBRE RESPONSABILIDADE DA COMUNIDADE INTERNACIONAL
LUCIANO HUCK - GLOBO – Edição de 29/10
Aos 13 anos, após meu bar mitzvah, passei 45 dias colhendo abacates em um kibutz em Israel chamado Bror Hayil. Quando meus filhos, que estou criando na tradição judaica, começaram
a entender melhor o mundo, visitamos Israel juntos. Uma das nossas primeiras paradas foi o Museu do Holocausto em Jerusalém. Queria que eles compreendessem a perseguição sofrida pelo povo judeu, principalmente durante a primeira metade do século passado, que culminou no extermínio de seis milhões de judeus na Europa. Foi essa tragédia que levou os avós paternos dos meus filhos a fugirem de seus países de origem, chegando ao Brasil para reconstruir suas vidas.
Tenho me esforçado para ensinar aos meus filhos a história do povo judeu e os conflitos no Oriente Médio, sem preguiça intelectual, como sugere o renomado filósofo e professor israelense Yuval Noah Harari.
Nascido em 1976, em Kiryat Ata — próximo a Haifa, ao norte de Tel Aviv —, Yuval é uma das mentes mais brilhantes de nossa era. Com um PhD em História pela Universidade de Oxford e professor na Universidade Hebraica de Jerusalém, ele é autor de bestsellers que redefiniram nossa percepção sobre a história e o futuro da Humanidade.
Seus livros, como “Homo sapiens”, “Homo deus” e “21 lições para o século XXI”, venderam milhões de cópias globalmente e foram traduzidos para dezenas de idiomas.
É por isso que hoje trago nossa conversa. Embora eu seja judeu e ele tenha nascido e sido criado em Israel, compartilhamos a crença na coexistência pacífica entre a proteção do povo judeu e do Estado de Israel com a criação de um Estado palestino próspero e livre.
Conheci Harari por acaso, em um hotel no Sul da Itália, quando ambos esperávamos na fila do café da manhã por uma omelete. Desde então, construímos uma ponte de diálogo. Sempre que sinto a necessidade de esclarecer temas complexos, como foi durante a pandemia da Covid, busco sua perspectiva para compartilhar com o público brasileiro.
E é exatamente isso que faço agora, compartilhando nas páginas do GLOBO nossa recente conversa.
Com quem estou falando agora? O garoto israelense, filho de Shlomo e Pnina, nascido e criado em Haifa? O filósofo e professor que leciona em Tel Aviv? O escritor? O marido de Itzak, que tem família por todo Israel? Imagino os inúmeros sentimentos que se misturaram em sua mente pensativa nas últimas semanas.
Você está conversando com todos eles. Quando a História bate à sua porta, é aí que você mais precisa de perspectiva. E no que aconteceu comigo, e com muitos dos meus amigos e familiares, a História não veio apenas bater à porta: ela quebrou a porta e destruiu a casa. Muitos dos meus amigos e familiares acabaram de passar pelos eventos mais traumáticos de suas vidas, e ainda estão passando. Estou nisso com eles até certo ponto, mas também estou tentando manter uma grande perspectiva histórica e filosófica do que está acontecendo.
Já vou iniciar dizendo que, porque estou pessoalmente envolvido nos eventos, eu não acho que consiga ser objetivo agora. Apresento muito claramente o lado mais israelense do que está acontecendo. Gostaria de apelar às pessoas que queiram ter uma perspectiva mais ampla sobre os acontecimentos, se lerem esta entrevista, que depois leiam uma entrevista com alguém compassivo e conhecedor do que está a acontecer no lado palestino, porque isto é algo que obviamente eu não posso representar, pois não tenho o conhecimento nem a autoridade.
Além da terrível guerra em si, também estamos experimentando uma perigosa guerra de narrativas. E você tem sido uma voz da razão, mesmo em tempos de dor, com pouco espaço para o senso comum e a luz. Diante disso, poderia falar sobre o tempo? O tempo para a dor, o tempo para a paz.
Novamente, começo com um ângulo pessoal. A minha tia e o meu tio vivem numa das comunidades que foram ocupadas e destruídas pelos terroristas do Hamas no dia 7 de outubro. Eles se esconderam dentro das suas casas durante mais de um dia, enquanto os terroristas iam sistematicamente de casa em casa na sua vila e torturavam e executavam pessoas das formas mais horrendas.
O que é impressionante neste ataque não foram apenas as atrocidades que o Hamas cometeu, mas o fato de que pretendiam que tais atrocidades fossem divulgadas, inclusive transportando câmeras e fazendo fotos e vídeos. E você tenta pensar “por quê?”. As pessoas cometem atrocidades em diferentes lugares do mundo, mas geralmente tentam escondê-las. Já o Hamas, na verdade, quis divulgá-las. E a razão é que o Hamas não desejava apenas matar civis. Ele desejava matar qualquer chance de paz. E não apenas agora, mas nas futuras gerações, para realmente espalhar a semente do ódio nas mentes de milhões de pessoas.
Para compreender isso, também é importante compreender o grande contexto geopolítico. Por que agora? Por que no dia 7 de outubro? A razão é que Israel e a Arábia Saudita estavam prestes a assinar um tratado de paz histórico, que deveria normalizar as relações entre Israel e a maior parte do mundo árabe e também reiniciar o processo de paz entre Israel e Palestina, oferecendo algumas concessões imediatas que teriam aliviado o sofrimento dos palestinos com a ocupação israelense. Isso era uma enorme ameaça para o Hamas e para o Irã, que se opunham a qualquer tentativa de paz na região. E foi por isso que o Hamas atacou. É vital compreender isso. Ouço muitas pessoas em diferentes países, no Brasil, nos EUA, na Grã-Bretanha, que falam sobre os direitos dos palestinos e a necessidade de libertar a Palestina. Eu concordo plenamente. Há anos que sou um crítico veemente de Netanyahu, por não ter feito nenhum esforço para chegar a um tratado de paz com os palestinos. Mas o que as pessoas precisam compreender é que o Hamas não pretende fazer nenhum tipo de concessão para que israelenses e palestinos vivam lado a lado. Seu objetivo é destruir todas as possibilidades de paz, agora e no futuro.
Dois erros não fazem um acerto?
Neste momento, israelenses e palestinos estão a sofrer profundamente. Para o israelense médio e também para o palestino médio, a mente está completamente cheia de dor, até a borda. Não resta espaço para simpatizar ou mesmo para reconhecer a dor de outra pessoa. Se você está em Israel e tenta falar sobre a dor dos civis palestinos em Gaza, as pessoas te tratam quase como um traidor. E é a mesma coisa se você estiver em Gaza e tentar dizer algo sobre o sofrimento dos israelenses. Psicologicamente, as pessoas sentem tanta dor que é quase inevitável que você só consiga sentir a sua própria dor naquele momento.
Por isso o trabalho de quem é de fora, de gente que mora longe, que talvez não tenha família na região, não vem da região, só vê as notícias ou lê nos jornais, o trabalho dessas pessoas é prestar atenção à complexidade da realidade. Pessoas que não estão pessoalmente imersas neste oceano de dor não deveriam ser intelectualmente preguiçosas. Não deveriam ser emocionalmente preguiçosas. Escolher um lado desta realidade complexa e pensar “tudo bem, eles são 100% puros, bons e certos e nunca fazem nada de errado, e o outro lado, eles são 100% maus, tudo é por causa deles, eles têm culpa por tudo”: isso é intelectual e emocionalmente preguiçoso e não contribui para a paz. Neste momento, os israelenses e os palestinos estão incapazes, psicologicamente, de manter o espaço para a paz. Quem está de fora é que precisa fazê-lo. Como na maioria dos casos na História, a culpa é partilhada entre ambos os lados. Na maioria dos casos da História, em grandes conflitos, pessoas e nações podem ser vítimas e algozes ao mesmo tempo.
Neste momento, penso que a comunidade internacional está empenhada em tentar ajudar. O Brasil fez uma declaração no Conselho de Segurança da ONU que foi negada pelos EUA, mas acho que todo mundo está tentando ajudar de alguma forma.
Penso que os princípios deveriam ser, antes de mais nada, distinguir claramente entre o Hamas e a população palestina. O Hamas é uma organização terrorista que cometeu atrocidades terríveis e nunca se interessou pela paz, desde o momento em que foi fundado. Cada vez que Israel se aproxima de um acordo de paz, como aconteceu com o processo de Oslo, na década de 1990 e no início de 2000, o Hamas fez tudo ao seu alcance para sabotar. Mas os palestinos, as pessoas, não são o Hamas. Muitos deles apoiam o Hamas, mas ainda assim não é a mesma coisa. Israel tem todo o direito e dever de proteger os seus cidadãos e de desarmar o Hamas. Qualquer pessoa interessada na paz também deveria ser a favor do desarmamento do Hamas, porque, enquanto o Hamas for uma organização poderosa e armada, não haverá paz. Ao mesmo tempo, deveria ficar muito claro que Israel precisa respeitar os direitos humanos básicos dos civis palestinos e entender que seu objetivo não deve ser apenas o de desarmar o Hamas, mas o de criar condições que permitam aos civis palestinos viver vidas dignas e pacíficas no seu país.
A última vez que conversamos foi durante a pandemia. Falamos sobre ataques à democracia, populismo e a negação corroendo a democracia por dentro, como cupins devorando a madeira. Qual é a responsabilidade do populismo de Netanyahu pelo que está acontecendo hoje em Israel?
Netanyahu e o seu governo, claro, não são culpados pelo ataque do Hamas. Mas eles partilham uma enorme responsabilidade pela atual disfunção do Estado israelense. Não apenas as forças de segurança, mas muitas outras instituições governamentais não estão funcionando bem. Netanyahu construiu sua carreira política dividindo a nação contra si mesma. Ele atacou e enfraqueceu toda instituição, inclusive estatal e militar, que pudesse se opor às suas políticas. Ele atacou as elites do funcionalismo do país como profundas traidoras do Estado e nomeou sistematicamente pessoas para cargos-chave com base apenas na lealdade política, independentemente das suas qualificações. E é como você descreve, como se cupins comessem o Estado por dentro. Este é um alerta para todas as democracias do mundo. Ao eleger esse tipo de populista como seus líderes, em tempos de crise, como na Covid ou como agora nesta guerra, pagarão um preço muito, muito alto.
Netanyahu está experimentando sua primeira grande crise. Nos últimos anos, ele deixou tudo em banho-maria ao seu redor, e hoje não tem com quem negociar. Não há liderança que realmente representa a maioria dos palestinos. Há anos no Brasil venho defendendo a formação de novas lideranças políticas, caso contrário continuaremos a usar receitas e ideias do século XX para resolver questões do século XXI. Você vê novas lideranças surgindo em Israel e entre os palestinos?
Não posso comentar sobre o lado palestino. Mas, em Israel, ao mesmo tempo que assistimos à disfunção do Estado, temos um espírito incrível de voluntariado na sociedade civil. Muitas organizações que tinham sido criadas para se opor a Netanyahu passaram agora a se concentrar em ajudar sobreviventes e refugiados, preenchendo lacunas deixadas pelo governo. Tenho esperança de que dessa mobilização surgirá uma geração inteiramente nova de liderança política e de organização política. Reitero que não basta Israel vencer a guerra externa contra o Hamas. O país também tem de vencer seu conflito interno para emergir deste conflito mais democrático, mais unido e mais disposto a explorar a paz com os palestinos. Se Israel vencer a guerra contra o Hamas, mas o poder continuar nas mãos de populistas e o país se tornar mais racista, mais extremista e mais fanático, então será uma vitória de curta duração.
Quando te ouvi pela primeira vez, há dez anos, você estava falando exatamente sobre a Humanidade estar vivendo o momento mais pacífico da sua História. O que aconteceu? Por que recuamos tanto?
Há dez anos o mundo provavelmente viveu a era mais pacífica da História da Humanidade. Havia problemas, havia conflitos, mas, comparado com as épocas anteriores, o mundo de há dez anos era o mais pacífico de todos os tempos. Mais pessoas morriam por comer demais do que por causa da violência humana. E esta foi uma conquista da ordem liberal global, que teve muitos problemas, é claro, mas ainda assim foi melhor do que qualquer alternativa. A ordem liberal global baseou-se na ideia simples de que todos os humanos são basicamente iguais. Todos pertencemos à mesma espécie biológica. Todos nós sentimos dor. Todos nós amamos nossos filhos e nossos pais. Portanto, como temos alguns interesses e valores comuns, podemos construir uma ordem global com base no reconhecimento desses valores e interesses universais. A razão pela qual o mundo estava relativamente pacífico há dez anos não foi porque Deus fez um milagre. Não foi porque as leis da natureza foram alteradas. Foi porque os humanos trabalharam arduamente durante gerações para construir uma ordem internacional funcional.
Depois de um tempo tivemos muitos ataques a essa ordem liberal global. Não apenas de pessoas de fora dela, como Putin, Kim Jong-un ou o Irã. Mas também de dentro do ocidente liberal, com o Brexit no Reino Unido, com Donald Trump nos EUA... Então foi isso que aconteceu: houve um ataque sistemático à ordem global. E, quando se ataca a ordem, o que se obtém é desordem. Há um padrão de conflito e violência crescentes no mundo. A invasão russa da Ucrânia é o exemplo mais óbvio, mas não o único. E, novamente, não é apenas o Putin. Foram alguns dos países que estiveram na vanguarda da construção da ordem global, como os EUA, que escolheram líderes que atacaram deliberadamente os valores da ordem liberal e as instituições globais. Se eles dissessem “o.k., não gostamos da ordem liberal global, não gostamos de seus valores e interesses, e aqui está uma ordem alternativa de que gostamos mais”, então o.k., vamos debater, vamos ver qual ordem é melhor.
Mas eles não fizeram isso. Eles apenas atacaram a ordem global existente e não ofereceram nada em seu lugar. Eles apenas disseram “meu país primeiro, eu farei meu país grande”.
O antissemitismo voltou a assombrar o mundo. Busco explicar isso ao povo brasileiro de uma forma fácil de compreender. Nós, judeus, somos uma comunidade relevante no Brasil, mas estamos longe de ser populares. O Brasil real pouco sabe sobre o extermínio de seis milhões de judeus na Europa não muito tempo atrás. Me ajude a refletir sobre isso?
É completamente legítimo os brasileiros ou quaisquer outras pessoas se preocuparem com o sofrimento dos civis palestinos em Gaza. Mas isso não deveria levá-las a apoiar o extermínio do Estado de Israel ou a violência contra os judeus em todo o mundo. Se você está atento e se preocupa com o sofrimento dos civis palestinos em Gaza, por que isso deveria implicar que crianças judias em São Paulo deveriam ter medo de ir à escola? Qual é a conexão? E, infelizmente, um dos fios de ligação é essa ideia muito simplista que você vê em termos binários, de que toda a bondade está de um lado e de que todo o mal está do outro lado. Isso é preguiça intelectual e emocional. É possível ser a favor da proteção dos direitos humanos dos palestinos e do estabelecimento de um Estado palestino e, ao mesmo tempo, ser a favor da proteção do Estado de Israel e dos seus cidadãos.
Esse sou eu! Você me descreve!
E descrevo a mim também! Apoio a criação de um Estado palestino pacífico ao lado de Israel. Não sei como é no Brasil, mas, em Londres, você vê uma turma indo para a rua cantar “do rio ao mar, a Palestina será livre”. Se você for olhar o mapa, vai perceber que, se tiver a Palestina em todo o território entre o Rio Jordão e o mar, então onde estará Israel? As pessoas que entoam isso, talvez nem reparem, na verdade estão apoiando a aniquilação do Estado de Israel e dos milhões de judeus que lá vivem. Podemos apoiar o estabelecimento de um Estado palestino ao lado de Israel e podemos nos preocupar com os direitos humanos dos palestinos e, ao mesmo tempo, nos preocupar com os direitos humanos dos israelenses e dos judeus. E, quando os terroristas do Hamas torturam e assassinam civis nas suas casas, podemos condenar isso também.
Cheguei esta semana da Índia. Por isso estou com uma frase de Gandhi em mente: “Olho por olho, logo todo mundo vai ficar cego”.
Exatamente! É isso que vem acontecendo na nossa região há gerações. Quando centenas de milhares de palestinos perderam suas casas em 1948, os países árabes reagiram, retaliaram e expulsaram centenas de milhares de judeus de suas casas ancestrais no Egito, no Iraque, no Iêmen. A família do meu marido vivia no Egito havia gerações, mas, depois de 1948, foram todos expulsos, e todas as propriedades foram tomadas pelo Estado. Desde então você tem esse ciclo de violência e retaliação, que não leva a lugar nenhum, exceto a um mundo completamente cego, como você diz. As pessoas tentam salvar o passado. As pessoas tentam corrigir o passado. Mas você não pode salvar o passado. O passado se foi. Não se pode voltar atrás no tempo. Deveríamos, sim, olhar para o futuro. Como podemos evitar a continuação de atrocidades e crimes? Lesões passadas devem ser curadas em vez de servirem de desculpa para infligir novas lesões. Este deveria ser o tipo de princípio orientador da nossa atitude em relação à restauração. Infelizmente, muitas pessoas de ambos os lados têm esta ideia errada de justiça absoluta. Essa ideia só garante uma guerra sem fim, porque não houve um único tratado de paz em toda a História da Humanidade que proporcionou justiça absoluta. Todos os tratados de paz exigem compromisso e o reconhecimento de que o passado se foi. Espero que agora as pessoas olhem para o futuro, porque estamos à beira de uma catástrofe ainda pior. O que vimos nas últimas duas semanas pode ser apenas o início de uma crise muito, muito maior. Este conflito poderá espalhar-se da Faixa de Gaza para a Cisjordânia, para o Líbano, com o Hezbollah, para toda a região. Teoricamente, podemos até estar à beira do uso de armas nucleares pela primeira vez desde 1945. A primeira prioridade é desescalar, evitar que o conflito se espalhe, e para isso precisamos de algum tipo de gestos concretos, não apenas de palavras. E o passo mais óbvio é o Hamas libertar imediata e incondicionalmente todos os reféns que capturou. Isso trará algum tipo de espaço para respirar e sanidade à situação.
Gosto quando você diz que não podemos corrigir o passado, mas acho que devemos aprender e entender o passado para visualizar o futuro. Não se pode colocar na mesma caixa o Hamas e o povo palestino. Temos que separar isso claramente. Se queremos construir um futuro com paz, Israel também precisa oferecer esperança aos palestinos.
Absolutamente! E há anos que tenho sido um crítico muito forte do governo de Netanyahu pelas suas políticas sobre a ocupação, sobre as colônias, sobre a forma como ele não tentou alcançar a paz com os palestinos, sobre a forma como adotou políticas francamente racistas com ideias de supremacia judaica. E espero que Israel abandone estas ideias e políticas terríveis o mais rapidamente possível, porque não haverá paz para ninguém, incluindo para os israelenses, se os milhões de palestinos não tiverem o direito de viver dignamente na sua terra natal, de criar famílias, abrir negócios e viajar livremente.
Um de seus livros mais importantes fala sobre “21 lições para o século XXI”. Tenho certeza de que, se fizermos o dever de casa com base em seu trabalho, talvez o mundo se torne um lugar mais justo. Mas esse seu livro não traz lições sobre guerra e paz… Há algo que você possa adicionar sobre esse tópico?
Uma mensagem muito simples: podemos escolher entre a ordem e a desordem no mundo. Nos últimos anos escolhemos a desordem, e o preço foi cada vez mais violência. Precisamos de cada um de nós, independentemente do que vivamos, para reconstruir a ordem, entendendo que ela não será perfeita e não proporcionará justiça perfeita. A justiça absoluta não é uma meta alcançável. Mas a paz é possível. Há sete, oito décadas, os alemães assassinaram das formas mais atrozes seis milhões de judeus. E hoje Alemanha e Israel são fortes aliados. Se foi possível, num espaço de tempo relativamente curto depois do Holocausto, que alemães e judeus se tornassem amigos, então tudo é possível. Hoje parece que israelenses e palestinos estão condenados a viver para sempre com ódio e violência. Mas a perspectiva da História nos dá esperança de que, se as pessoas fizerem as escolhas certas, se decidirem curar as lesões passadas e não as usarem como desculpa para criar mais lesões, há chance de paz e reconciliação.