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Seg, 28 de Abril 2014 - 16:43
Lucimara, 34, desistiu do magistério depois de 12 anos lecionando, quando um aluno a ameaçou de agressão física caso ela não parasse de “dar opiniões” contra as drogas.
Inicialmente, a professora não levou a ameaça a sério, até que encontrou, na saída da escola, os quatro pneus de seu veículo furados com um objeto pontiagudo e um bilhete de “cale a sua boca”. Foi para casa com uma crise nervosa e não voltou mais à escola.
Assim como ela, quatro em cada dez professores da rede estadual de ensino afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência no ambiente escolar. Em percentuais, 44% dos docentes do Estado de São Paulo sofrem com a violência escolar, que inclui agressões verbais, físicas, contra o patrimônio particular e bullying.
Do universo de 240 mil docentes, com 20 mil deles as ameaças físicas se concretizam. Uma triste realidade que ecoa na qualidade da educação e expõe um diagnóstico preocupante sobre as relações sociais e o ambiente escolar.
Os dados foram levantados em 2013 pela pesquisa Percepção dos Professores, Alunos e Pais Sobre a Violência nas Escolas Estaduais de São Paulo, realizada pelo Data Popular para a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo).
O mesmo receio faz parte da vida dos estudantes, 28% também afirmam terem sido vítimas de outros alunos. Em Piracicaba, bem como em outras cidades do interior, o problema existe pelo conhecimento de casos, mas não há registros oficiais, até mesmo porque, os profissionais preferem manter o silêncio, desistir da vocação ou seguir o código de conduta imposto pelos agressores.
As agressões não se mantêm apenas entre o alunado, embora em 90% dos casos os agressores sejam os alunos. Em 10%, são parentes de estudantes, colegas de trabalho ou alguém da comunidade em que a escola está instalada. Professores homossexuais chegam ao passo de serem perseguidos por pais de alunos.
“É um quadro que requer bastante reflexão. Somos uma categoria com o papel fundamental de transmitir conhecimento e educar, mas essa também é uma incumbência dos pais. São 20 mil professores apanhando. Não dá para deixar passar desapercebida uma situação dessas”, ressaltou a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel.
Por conta dessa situação, a síndrome do pânico é a doença que mais tem afetado o professorado, que pede afastamento. Agredidos, os mestres perdem o encanto por trabalhar na escola, pela atuação em sala de aula e, principalmente, sentem-se desmoralizados enquanto autoridade escolar.
“Não vamos confundir autoridade com autoritarismo. A falta de segurança nas escolas é o maior problema hoje em dia e também não se confunde com a falta de policiamento”, disse Bebel. “Como discutir a qualidade da educação se a violência é vista como caso corriqueiro?”, questionou.
Diante da conjuntura, não é difícil compreender porque 67% dos estudantes da rede estadual, ouvidos por outra pesquisa realizada em março deste ano pela Apeoesp, considerou a escola ruim ou péssima. Um total de 70% deles afirmaram não se sentir seguros na escola e 46% dos pais têm receio pela segurança dos filhos no ambiente escolar.
Isso ocorre porque o mesmo aluno que observa a agressão contra o professor, acredita que o mesmo problema possa acontecer com ele, sem que encontre respaldo para sua defesa. A pesquisa apontou também a ocorrência de crianças armadas com estiletes, canivetes e facas dentro da sala de aula, seja para agredir ou se defender.
Ir mal na prova pode ser o estopim para uma agressão. Diante dos baixos salários, da desmotivação e dessas tristes estatísticas, fica difícil manter um cenário positivo. A má qualidade da educação, comentam os professores, também está relacionada ao desinteresse que surge a partir dessas circunstâncias. O fato é que 46% dos alunos ouvidos pela pesquisa disseram que foram aprovados sem as noções necessárias para encarar um novo estágio de aprendizagem.
Para Bebel, a configuração atual das escolas contribui para a agressividade. “É a lousa, o giz e o apagador. Quer dizer, o aluno não tem um lazer. Não estou querendo justificar a violência, mas que a escola também não induz a um clima de sociabilidade, de solidariedade, não induz mesmo.”
Flavia Schilling, professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), afirmou que a escola deve cumprir com seu papel de oferecer um cotidiano desafiador e inteligente para que possa desenvolver no alunado o sentido de limite e acolhimento.
“Quando cumpre bem seu papel de escola, os casos de violência tendem a desaparecer. Uma equipe unida, com autoridade, dialógica, comprometida, consegue dar conta. Muitas vezes estas situações envolvendo os alunos se devem ao tédio profundo do cotidiano, que parece sem sentido”, comentou a pesquisadora no site da Apeoesp.