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Seg, 11 de Novembro 2019 - 16:12
O garoto a teria agredido com socos e chutes; o caso chama a atenção para os conflitos envolvendo o ambiente escolar
Após sofrer diversas agressões dentro de uma escola estadual, em Bauru, uma professora registrou boletim de ocorrência (BO). No entanto, a parte mais assustadora da história, que se deu no início deste mês, consiste no fato de o acusado pela violência ter sido um estudante de apenas 7 anos. O caso explicita os conflitos envolvendo o ambiente escolar que, segundo o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), tendem a aumentar porque faltaria estrutura para coibi-los. Já o governo estadual afirma que desenvolve um programa para evitar ações do tipo (leia mais abaixo).
De acordo com o registro da polícia, tudo começou por volta das 16h do dia 1 de novembro deste ano. Na ocasião, a docente, que terá o nome preservado por questões de segurança, tentou separar uma briga de alunos do 2.º ano do Ensino Fundamental.
O desentendimento ocorreu dentro da escola. Em seguida, um dos envolvidos, um menino de somente 7 anos, desferiu socos e chutes contra a vítima, que fez o BO.
No documento, protocolado como não-criminal, por se tratar de uma criança menor de 12 anos, ela também informa que o garoto possui comportamento agressivo e sempre arruma confusões.
Três dias depois, em 4 de novembro, houve um episódio parecido. Contudo, desta vez, a mãe de um estudante do 6.º ano do Ensino Fundamental de outra escola estadual procurou pela polícia para relatar que o filho, de 11 anos, teria sido agredido por um professor.
Conforme consta no BO, o docente "discutiu com a criança e bateu o seu corpo contra uma carteira, na frente dos demais colegas de classe".
PANORAMA
Coordenador da Apeoesp, em Bauru, o professor Marcos Chagas afirma que o governo estadual cortou, pela metade, o número de professores mediadores, fundamentais para a resolução de diligências em ambiente escolar.
Ele estima que pouco menos de 50% dos colégios estaduais do município deixou de abrigar profissionais do tipo.
Porém, de acordo com o docente, tal função representa somente mais um instrumento.
"Precisamos reduzir a quantidade de alunos nas salas de aula, que, hoje, estão superlotadas. Além disso, temos unidades de ensino com apenas um funcionário de pátio. Quando adoece, os estudantes ficam sem supervisão", argumenta.
ESTADO
Dirigente Regional de Ensino (DRE) de Bauru, Gina Sanchez lamenta por ambas as ocorrências. "Nós contamos com a figura do professor mediador em parte das escolas. No restante, o próprio vice-diretor desempenha o ofício, ou seja, todas as unidades possuem o serviço", complementa.
Gina acrescenta que nenhum dos 52 colégios estaduais de Bauru trabalha com salas de aula superlotadas.
As classes, segundo ela, funcionam sob o limite permitido por lei: 30 alunos para o 1.º ao 5.º ano, 35 para o 6.º ao 9.º ano e 40 para o Ensino Médio.
A dirigente da educação frisa, também, que os conflitos em ambiente escolar correspondem ao reflexo da sociedade como um todo.
"Cada vez menos, as pessoas sabem lidar com a negativa, culminando em violência", finaliza.
PROFESSORA CRIA "ANJOS DE RESGATE"
"Prometo, no exercício da minha profissão, enfrentar os desafios que a Educação me propõe, dentro e fora da escola". A professora Sebastiana de Fátima Gomes, de 55 anos, faz jus ao juramento do curso de Pedagogia. Ela, que leciona Geografia e História para estudantes do Ensino Fundamental de um colégio estadual, em Bauru, desenvolve o que chama de "anjos de resgate". O projeto consiste na aproximação dos alunos com maior e menor facilidade.
De acordo com a docente, que já chegou a ser ameaçada de morte por um estudante, em 2009, os jovens devem ter noção da sua condição social. "Para o proletariado, a ascensão ainda se dá através da educação, embora o nosso sistema seja perverso, afinal, existe grande fosso entre as escolas privadas e públicas".
Segundo Sebastiana, tal discrepância conduz discentes menos abastados a pensarem que estão fadados ao fracasso. "Eu uso o meu exemplo de vida para convencê-los a lutar. Sempre morei na periferia e sou filha de analfabetos. Superei todos os desafios com esforço", conta.
No entanto, a professora não defende a meritocracia. "Eu sei que, atualmente, a exclusão se manifesta de forma mais cruel do que outrora", justifica. Após expor o discurso aos alunos, a docente seleciona aqueles com maior facilidade para trabalharem como "anjos de resgate" junto aos que precisam de ajuda. "A missão dos escolhidos corresponde a auxiliar os colegas nos estudos. A medida surte resultados positivos, desde que tenha início nos ensinos Infantil e Fundamental", completa.
VÍTIMAS
Para Sebastiana, professores e alunos são vítimas do sistema educacional. "Os discentes despejam os problemas em cima dos docentes, que acabam desanimando de dar aula", observa.
A profissional avalia que os conflitos em âmbito escolar ocorrem devido à ausência da família, à desigualdade social e à banalização da violência. "Muitas vezes, nós deixamos de lecionar para dar amor, porque eles não têm em casa", frisa.
Ainda de acordo com ela, o alto índice de desemprego leva os pais ou responsáveis a priorizarem o sustento da família. "Muitos sequer sabem o motivo pelo qual os filhos frequentam uma unidade de ensino. Então, deixam de acompanhar o desempenho escolar", revela. Sebastiana também trabalha com alunos do Ensino Médio de uma escola privada, em Bauru. "Por lá, também há violência, mas em menor intensidade. Falta acompanhamento dos pais", conclui.
PROGRAMA CONVIVA
De acordo com a chefe da DRE, em Bauru, Gina Sanchez, o governo estadual desenvolve o Programa Conviva, que visa coibir os atritos em ambiente escolar. O projeto trabalha com o chamado Método de Melhoria da Convivência Escolar (MMCE), criado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), da Unesp, em São Paulo.
Em dezembro deste ano, os professores receberão orientações de como abordar a temática junto aos alunos.
A partir de 2020, os estudantes participarão de dinâmicas, palestras e debates, que deverão ensiná-los a reagir, de forma adequada, a situações conflituosas. Os pais ou responsáveis também serão convidados para conversar sobre o assunto.