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Sex, 11 de Julho 2014 - 14:32

Professores reféns - Violência invade os muros da escola

Ambiente que era para servir para educação se torna de apreensão


"Não posso te pegar aqui dentro, mas pego você lá fora." Essa é apenas uma das ameaças que o professor Alexandre*, que leciona na rede estadual de Sorocaba, ouviu durante o exercício da profissão. Na mesma unidade, conta, foi vítima de esbarrões, empurrões e gritos que tentam tirar a autoridade dos profissionais que deveriam estar ali para ensinar. Afastado por 15 dias do trabalho por conta de estresse, o educador acredita que o ambiente escolar foi invadido pela violência e qualquer tentativa individual para reverter a situação é nula, pois o sistema educacional é falho e privilegia a negligência por parte das direções. "Eles vão falar que eu deixei a escola na mão, mas na verdade foram eles que me negaram respaldo quando eu precisei", afirma. Por causa disso, Alexandre teve que buscar ajuda em mecanismos externos à escola: em menos de dois anos atuando na área, foram três boletins de ocorrência contra alunos, por ameaça e agressões física e moral.

Uma pesquisa realizada no ano passado pelo instituto Data Popular para o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) traduziu em números a realidade vivida há anos pelos profissionais da educação: um em cada dez professores da rede estadual de ensino afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência no ambiente escolar. Em percentuais, 44% dos docentes do Estado de São Paulo sofrem com a violência escolar, que inclui agressões verbais, físicas, contra o patrimônio particular e bullying. Do universo de 240 mil docentes, com 20 mil deles as ameaças físicas se concretizam. A subsede local da Apeoesp foi procurada para comentar o cenário da educação em Sorocaba, porém não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Para o coordenador do Sistema de Proteção Escolar da Secretaria da Educação do Estado, Felipe Angeli, a existência da violência nas escolas é reflexo das relações da sociedade atual. "Infelizmente, a nossa sociedade tem se mostrado cada vez mais violenta e a escola é mais um dos ambientes afetados por isso", cita. Felipe acredita ainda que os conflitos são naturais onde existe a convivência entre as pessoas, porém a escola precisa assumir a responsabilidade de reverter esse fato. "É algo que vai além do seu currículo, mas é necessário para a formação integral dos cidadãos", pondera. Dentre as medidas que fazem parte dessa concepção de escola, explica, estão a formação de professores mediadores de conflitos e a ampliação do sistema de videomonitoramento nos prédios escolares.

A psicopedagoga Maria Carla Gnocci vai além ao listar três fatores determinantes para o avanço da violência nas salas de aula: a família, os próprios profissionais da educação e o sistema educacional, promovido pelo rede de ensino. "A educação deve, sim, vir de casa e a não participação dos pais na vida escolar dos filhos prejudica a formação deles como cidadãos, que devem viver em uma comunidade com regras e obrigações", diz. Nesse sentido, ações simples como olhar o caderno dos filhos todos os dias após a aula e comparecer às reuniões são fundamentais para esse processo. "Mas nós não podemos esquecer do papel do Estado, que gerencia a rede educacional como um sistema e precisa oferecer a sustentação legal e operacional para que os profissionais tenham espaço para atuar", completa.

A pesquisa

Realizada com 1.400 professores da rede estadual de 167 cidades de São Paulo, a pesquisa "Percepção dos Professores, Alunos e Pais sobre a Violência nas escolas estaduais de São Paulo" mostra que é alto o porcentual de professores que ao menos já ouviram sobre algum caso de violência nas escolas em que dão aula: 84%. Entre as agressões mais comuns, estão agressão verbal (74%), bullying (60%), vandalismo (53%) e agressão física (52%). Além disso, as agressões verbais são mais frequentes que as agressões físicas: 39% contra 5%.

De acordo com o levantamento, para 95% dos professores, os alunos são os principais autores dessa violência. Segundo eles, o alunos agressores estão constantemente sob o efeito de drogas (42%), portando armas brancas (15%) e até mesmo armas de fogo (3%). Três a cada 10 professores já presenciaram tráfico de drogas ou alunos embriagados.

As ameaças e os bens danificados pelos alunos são tão frequentes que 39% dos docentes acham comum vivenciar essas situações. Para eles, a falta de educação e de respeito dos alunos é a principal causa da violência nas escolas e os pais são quem melhor podem colaborar na redução dessa violência.

A pesquisa chegou à conclusão de que as escolas com campanha contra a violência têm porcentual menor de agressões: 41% contra 51% onde nunca promoveram campanhas. A cada 10 escolas, quatro não possuem projetos contra a violência. O estudo revela ainda que a ronda escolar é mais frequente no entorno das escolas do centro das cidades (61%) que nas periferias (45%). (Supervisão: Helena Gozzano)

Relatos vão de agressões verbais até físicas

De licença médica e com "medo de voltar à escola", Camila*, 50 anos, professora da rede estadual de Sorocaba, conta já ter sido agredida verbal e fisicamente pelos alunos na escola em que lecionava. O sentimento, agora, é de impotência por não conseguir exercer a profissão. "Recebemos agressão de pais, alunos, e da direção das escolas diariamente. Eu amava minha profissão, agora estou me sentindo um lixo, como pessoa e como profissional, estou doente, tomo toneladas de remédios, estou infeliz e inútil por não conseguir ensinar algo que sempre amei", relata.

Para a professora Simone*, também da rede estadual de ensino de Sorocaba, a insegurança impera na escola onde trabalha. "Há épocas em que a escola é invadida por adolescentes durante o horário de aula", diz. Além disso, lembra, o uso de drogas é frequente dentro dos muros da unidade. "Acabamos sendo fumantes passivos e não podemos fazer nada, pois temos medo de represálias", complementa. Para o docente Fernando*, as próprias condições físicas dos prédios escolares contribuem para a evolução da violência. "Vivemos em um ambiente fechado com falta de ventilação, às vezes temos medo de chamar a atenção de alunos, pois estamos vivendo com estudantes com diversas personalidades", ressalta ele, que conta sofrer agressões verbais diariamente. "Chamar a direção não resolve, pois perdemos a autoridade", reclama. (Colaborou Daniela Jacinto)


*Os nomes usados nesta reportagem são fictícios para preservar a identidade dos profissionais.

Jornal Cruzeiro do Sul (Sorocaba) - 10.07 - Sabrina Souza - sabrina.souza@jcruzeiro.com.br

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