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Seg, 27 de Junho 2016 - 15:07
Hugo* tem 21 anos e é ator. Desde o início do ano, ele cursava o último período da Escola Estadual Reverendo Jacques, no Jardim São Luis, na zona sul de São Paulo (SP). Ele mora ali perto, no Capão Redondo e costuma sempre chegar no horário de sua aula, que é no período da noite. Só que na última quinta-feira (16), Hugo estava fazendo um bico e não deu pra chegar no horário certo.
“Eu não estava fazendo um trabalho de carteira assinada, mas estava trabalhando. E eu ainda tinha assinado um termo que não precisaria fazer a aula de Educação Física, que é a primeira”, ele contou, em entrevista à Vaidapé. O problema é que, ao chegar perto do portão pra entregar um trabalho na segunda aula, Hugo encontrou, como ele diz, “um pequeno alvoroço”. “Sempre ficam uns moleques amontoados ali na entrada da escola e começou a dar uma confusão”.
Segundo o relato de estudantes presentes, alguns alunos começaram a xingar a diretora da escola, que estava no portão fazendo a mediação. Foi quando chegou a Ronda Escolar da Polícia Militar. “Como os meninos tinham ficado ofendendo a diretora, ela resolveu não deixar ninguém entrar. Só que eu não tinha feito nada, só precisava entregar um trabalho e fazer uma prova naquela noite pra poder entrar de férias”, afirmou Hugo.
Foi neste momento que começou uma série de abusos cometidos pela Polícia Militar. Tentando intervir no debate, os policiais o cercaram e, segundo o estudante, disseram: “Cuzão! Você é do Partido? [referência ao PCC (Primeiro Comando da Capital)] Você é ladrão? Tem passagem?”.
Hugo já atuou em programas de televisão como ator e ainda busca espaço no universo artístico. “Nunca tive um B.O. Eu disse que tinha o direito de entrar na escola e entregar os trabalhos. Tentei argumentar, mas eles foram por puro preconceito. Nesse dia eu estava de bermuda, sou cheio de tatuagem na perna, no corpo e sou negro”, relembra Hugo.
O alvoroço da porta da escola já não era o mesmo durante a abordagem. “Ficou só uma amiga minha filmando, ela gravou tudo e foi isso que me protegeu. Como os policiais depois foram atrás dela pra apagar as fotos, mais gente dentro da escola viu a situação. Um professor me ajudou e eles tiveram que me levar para o Hospital do Campo Limpo para fazer o exame de corpo de delito”.
Depois de diversas ofensas e agressões, veio mais tortura. No momento em que chegaram ao hospital, os policiais mandaram o estudante virar de costas, carregaram a arma e fizeram o silêncio no lugar do estouro de uma bala que não saiu naquela noite, mas que mata mais de 80 jovens por dia no Brasil.
Chegando na delegacia, após os exames, veio a agressão final, a mais humilhante segundo Hugo: “Me bateram na frente da minha mãe. O problema é que eles deram azar que eu conheço os meus direitos e vou lutar contra essa autuação que o delegado assinou. É injusto eu ter passagem porque queria entrar na escola pra entregar um trabalho, fazer uma prova. E só estou te falando tudo isso e colocando meu nome porque não é um caso isolado. Firmeza? Valeu, mano, faz as pessoas saberem disso, por favor”.
Por: Paulo Motoryn e Ian Castilho - Revista Vaidapé - 22.06
*Hugo é um nome fictício para preservar a identidade e integridade do estudante, conforme orientado pelo S.O.S. Racismo.