Qua, 23 de Agosto 2017 - 18:47
"Todos ajudaram a deixar meu olho roxo", diz professora agredida
Agência Adital - 23.08
Marcia, que merece toda a nossa solidariedade, tem total razão ao lembrar que os professores brasileiros estão desamparados. Não são apenas estudantes mal educados que estão agredindo professores. Há todo um sistema para isso, desde a inércia da sociedade, que aceita que professores sejam tão mal pagos e desvalorizados, a um processo de institucionalização da perseguição, escreve Lola Aronovich, professora e blogueira, em artigo em seu blog, 22-08-2017.
Eis o artigo.
Semana passada, na pequena cidade catarinense de Indaial, próxima à Blumenau, a professora Marcia Friggi foi agredida por um aluno de 15 anos.
Marcia, que é professora há 12 anos, era ACT (contratada em caráter temporário) e foi chamada para lecionar numa unidade de Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Ela não conhecia a turma, nem o aluno em questão. O estudante estava com o livro sobre as pernas e ela lhe pediu educadamente que pusesse o livro sobre a mesa.
"Como eles costumam usar muito celular e fone de ouvido, a nossa grande luta é para que nos escutem, porque eles ficam em sala de aula usando WhatsApp e escutando música", disse a professora em entrevista (e o Escola sem Partido jura que professores comunas se valem dessa "audiência cativa" para doutrinar alunos"!).
O aluno respondeu que colocava o livro onde quisesse, e ela disse: "Não é bem assim". Ele respondeu: "Vai se f*", e ela o mandou à diretoria. Ele jogou o livro na cabeça de Marcia. Na sala da direção, Marcia relatou o que havia acontecido, o aluno a acusou de estar mentindo, ela disse que toda a turma era testemunha, e então o aluno a agrediu (novamente!) com tapas e um soco.
Ela fez boletim de ocorrência, exame de corpo de delito, e teve que ir a um hospital.
Depois, escreveu um post na sua página no FB: ""Estou dilacerada por ter sido agredida fisicamente. Estou dilacerada por saber que não sou a única, talvez não seja a última. Estou dilacerada por já ter sofrido agressão verbal, por ver meus colegas sofrerem. Estou dilacerada porque me sinto em desamparo, como estão desamparados todos os professores brasileiros. Estamos, há anos, sendo colocados em condição de desamparo pelos governos. A sociedade nos desamparou. A vida".
Marcia incluiu várias fotos em sua postagem, que já teve dezenas de milhares de compartilhamentos. Pelo menos assim a turma que chama tudo de mimimi, vitimismo e invenção não vai poder dizer que seu relato devastador é "fanfic".
Em entrevista, Marcia declarou: "A situação está bem difícil para os professores. Escutar palavrão é uma coisa comum, não fui a única, acontece todos os dias. Agressão física é mais rara, graças a Deus. Mas, infelizmente, aconteceu". Perguntada sobre o que iria fazer, ela respondeu: "Eu sou uma mulher muito forte, muito guerreira, se eu tiver que ser voz do magistério brasileiro, que está muito abandonado, eu vou ser, até o meu último dia. Inclusive a mídia está nos abandonando, a sociedade, o governo, as famílias, todos têm culpa. Todos ajudaram a deixar meu olho roxo".
Para os reaças, esse tipo de resposta é inaceitável. A professora -- aliás, todas nós que somos professoras -- deveria querer pena de morte pro guri de 15 anos, ou, no mínimo, cadeia. Se não defendemos a redução da maioridade penal, de acordo com a lógica da direita, é porque pedimos pra ser atacadas. E o quê é isso de culpar todo mundo?! Para os reaças, este (como todos os casos) é um caso isolado, e o único culpado é o aluno, ninguém mais. Bom, talvez seja culpa também dos pais esquerdistas frouxos que não sabem educar os filhos e desse pessoal que defende direitos humanos e do governo do PT. Mas dos reaças, jamais!
Eles rapidamente foram vasculhar a vida pregressa de Marcia para se certificar que ela não era uma deles. Porque, se fosse uma "batedora de panela", se tivesse posts e mais posts xingando Lula e chamando candidato de extrema direita de "mito", aí o tratamento seria bem outro. Mas não. Eles encontraram um post de Marcia chamando a jovem que jogou um ovo na cara de Bolsonaro de "sua lindeza". Com isso, justificam a agressão que ela recebeu do aluno.
Marcia, que merece toda a nossa solidariedade, tem total razão ao lembrar que os professores brasileiros estão desamparados. Não são apenas estudantes mal educados que estão agredindo professores. Há todo um sistema para isso, desde a inércia da sociedade, que aceita que professores sejam tão mal pagos e desvalorizados, a um processo de institucionalização da perseguição.
Por exemplo: também em SC, na semana passada, a justiça mandou afastar dois educadores populares do MST, do campus Abelardo Luz, do Instituto Federal Catarinense. A faculdade foi criada no governo Dilma por demandas do MST, dos agricultores familiares e camponeses. Acusação para busca e apreensão de computadores e equipamentos e do afastamento de Ricardo Scopel Velho e Maicon Fontaine é "imposição ideológica e política".
A nota do MST diz: "A perseguição e a ameaça feita aos companheiros é mais um caso de perseguição e criminalização de movimentos sociais! É um caso de Escola Sem Partido que não teve aprovação, mas está cada dia mais vigente nas escolas públicas como um todo, também no Instituto Federal. Por meio dessas decisões os dois estão afastados da função pública, ou seja, o o objetivo é perseguir, demitir e criminalizar! Não podemos aceitar esse absurdo!”.
Ainda em SC, a professora Marlene de Fáveri, da faculdade de História da Udesc, está sendo processada por uma aluna olavette que, patrocinada pelo Escola sem Partido, acusa Marlene de "perseguição ideológica", pela estudante ser cristã. Marlene desistiu de orientar a aluna no mestrado -- como é seu direito -- depois de ver as inúmeras barbaridades anti-feministas que a reacinha diz em suas redes sociais.
Ano passado, uma deputada cristã de Brasília pediu "providências legais" contra um professor. Seu crime hediondo? Solicitar aos seus alunos do segundo ano do ensino médio um trabalho sobre homofobia. Porque, sabe como é, falar contra homofobia equivale à doutrinação e à "apologia ao homossexualismo".
Em julho, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, aquele que não aguentou a pressão e desmaiou num debate quando foi candidato a prefeito do Rio, exigiu o afastamento do professor Pedro Mara, que leciona Sociologia para alunos do Ensino Médio e é diretor do Ciep 210, em Belford Roxo, no Rio. O motivo da perseguição? Pedro tem uma tatuagem de uma folha de maconha no antebraço. E, na sua vida particular, é militante da esquerda. Coisas inadmissíveis para um professor!
Bolso Pai, o "mito", já vem perseguindo professores (de preferência professoras, porque misóginos covardes agem com mais eficiência ao atacar mulheres) há tempos. Se alguém duvida, veja o que ele fez com a professora e pesquisadora Tatiana Lionço em 2012. A forma preferencial para perseguir é pedir aos alunos que filmem "professoras comunistas" "doutrinando" os estudantes, e depois o próprio deputado e sua equipe se encarregam de jogar esses vídeos nas redes sociais para que seus milhões de seguidores façam o resto do serviço.
Ao contrário dos mascus, não tenho como afirmar que o adolescente que agrediu a professora Marcia era um deles, ou seja, um neonazista misógino.
Provavelmente não era. Pode ser apenas mais um machista que só é capaz de resolver conflitos através da violência. Mas ele certamente não é o único que quer sair por aí agredindo professoras. Tem muito deputado, muita lei da mordaça, muita criatura deplorável nas redes sociais, fazendo a mesma coisa.