Ter, 13 de Setembro 2016 - 15:56
Por: Ana Maria Lopes
Professor nas redes estadual e municipal de São Paulo, André de Godoy Bueno pesquisou as literaturas africanas e afro-brasileira no Ensino Fundamental II no seu mestrado, cuja dissertação foi apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em agosto de 2015.
Para avaliar a aplicação da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas redes públicas e particulares da educação, o pesquisador entrevistou 30 professores, que responderam um questionário de 15 perguntas, que abordavam desde o conhecimento da Lei até a forma de aplicação do conteúdo.
Metade dos entrevistados leciona no município de São Paulo, nas diretorias regionais de São Miguel Paulista, Butantã, Guaianazes e Pirituba. A outra metade está em escolas estaduais de Guarulhos, Mauá, Indaiatuba e Marília.
A grande maioria dos professores conhece a Lei e todos a consideram importante. No entanto, a aplicação prática em sala de aula é feita por apenas 2/3 dos entrevistados; portanto, 10 professores que participaram da pesquisa não abordavam conteúdo sobre o tema.
Ao comparar as redes de ensino, o pesquisador constatou que, entre os 15 professores da rede municipal, 11 trabalham com o conteúdo de literaturas africanas e afro-brasileiras em sala de aula. Já na rede estadual, são 9 os professores que trabalham o tema.
"Isso acontece porque a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo realiza um trabalho contínuo de formação com os seus professores e esse conteúdo é abordado", acredita Bueno.
Além da falha do Poder Público, o pesquisador detectou problemas como o preconceito de professores, pais e alunos em relação ao tema. “É necessário oferecer formação contínua para os educadores, pois quem se formou antes da aprovação da Lei, em 2003, provavelmente não viu esse conteúdo durante a graduação", explica o pesquisador.
Durante a pesquisa, André de Godoy Bueno realizou rodas de conversas com alguns professores e descobriu vários casos de preconceito e racismo em sala de aula. Uma professora da rede estadual, por exemplo, conta que utilizou, no ensino médio, um documentário sobre rituais religiosos africanos para falar sobre cultura; dois alunos, no entanto, se recusaram a assistir, deixaram a sala de aula alegando que aquilo não fazia parte da religião deles.
Outra questão enfrentada pelos professores é a dimensão da história e cultura afro-brasileira e africana, da qual fala a lei. "A África é um continente com mais de 50 países independentes, com histórias, culturas e literaturas variadas e distintas. Acredito que a abordagem poderia ser a respeito dessas diferenças ou sobre a colonização, que aproxima o Brasil do Continente Africano", defende André de Godoy Bueno.
O mestrado de 119 páginas prefaciado por versos de Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras escritoras negras do Brasil, é um estudo significativo sobre a lei assinada há 13 anos e a forma como a educação para as relações étnico-raciais tem se consolidado no ensino público paulista.
A pesquisa parte de uma abordagem teórico-pedagógica ligada ao impacto de tal Lei na educação. "Segue-se a isso a consideração da situação do negro no Brasil, observada desde os desdobramentos que o regime escravocrata exerceu em terras brasileiras, até as consequências desse período histórico para as populações afro-brasileiras no pós-abolicionismo, culminando com o alargamento progressivo dos direitos conquistados pela população afrodescendente", explica o professor, que fez ainda um breve estudo da Lei citada, das obrigações dela decorrentes, bem como das políticas afirmativas.
SERVIÇO: A íntegra da tese "Literaturas africanas e afro-brasileira no Ensino Fundamental II", de André de Godoy Bueno, pode ser lida na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP: www.teses.usp.br