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Sáb, 23 de Dezembro 2017 - 16:22

Saída não é calar professores, diz autora de tese premiada sobre liberdade de ensino

Amanda Travincas foi premiada pela Capes pela tese 'A tutela jurídica da liberdade acadêmica no Brasil: a liberdade de ensinar e seus limites'.

Por: Ardilhes Moreira, G1

 
 
Ensinar é uma atividade complexa, sujeita a "demandas conflitantes" e interesses diversos. Amanda Costa Thomé Travincas, de 32 anos, descobriu essa realidade como aluna, professora e gestora, e acabou premiada pela tese de doutorado na qual investiga como esse cenário afeta a liberdade de ensinar.
 
"Dedico parte do texto exatamente a defender e justificar que a liberdade de ensinar é um direito fundamental, embora nossa Constituição não preveja isso expressamente, e que é um direito autônomo, que não se confunde como outros, como a liberdade de expressão e a liberdade profissional", explica Amanda.
 
A tese "A tutela jurídica da liberdade acadêmica no Brasil: a liberdade de ensinar e seus limites" foi uma das três vencedoras do Grande Prêmio Capes de Tese 2017. O reconhecimento ao texto que lhe conferiu o título de doutora em direito ocorre justamente em um período no qual educadores e especialistas alertam para os riscos de projetos como os defendidos pelo Movimento Escola Sem Partido.
 
Além de traçar todo o panorama histórico legal sobre liberdade de ensinar e seus termos relacionados, como "liberdade acadêmica" e "liberdade de cátedra", ela também avaliou o cenário atual. "Analisei o Projeto de Lei 867/2015, que cria o 'Programa Escola sem Partido', e o projeto de Lei 1.411/2015, que tipifica o crime de assédio ideológico", afirma.
 
"O primeiro quer proibir, em sala de aula, a doutrinação política e ideológica dos alunos, bem como o conhecimento de temas que possam conflitar com as convicções religiosas ou morais dos pais. Em sua justificativa, o autor do Projeto diz que professores podem "cooptar alunos" se manifestam suas posições em sala de aula. Já o PL 1.411/2015 constitui como crime induzir o aluno a adotar um determinado viés político, partidário ou ideológico", explica.
 
Em sua análise, ela faz críticas às duas propostas. "Os projetos são trágicos para a liberdade de ensinar e, mais que isso, para a educação pensada como um todo. Além de partirem de uma premissa simplória e falsa, que é a possibilidade de neutralizar o discurso de um sujeito, e de uma concepção de educação precária, fundada na ideia de alunos-receptores, são extremamente nocivos ao levarem a crer que estes últimos possuem o direito de não ter suas convicções questionadas", diz.
 
"Numa democracia, ninguém têm o direito de não ser contrariado em suas crenças! O que é urgente é repensar a relação que travamos em sala de aula. Enquanto espaço democrático, a sala de aula tem de dar condições para que alunos que discordem de posições apresentadas por seus professores possam contraditá-los", define.
 
"A saída não é, portanto, calar professores, mas escutar os alunos! O ensino é (ou tem de ser) exatamente esse fluxo de argumentos e contra-argumentos orientado por regras."
Amanda analisou todas as Constituições brasileiras anteriores a de 1988. "É relevante destacar que a Constituição de 1934 é a primeira a textualmente prever a liberdade de cátedra. Nos debates constituintes que deram ensejo à ela, fica claro que a previsão da liberdade tinha a finalidade de impedir a imposição de uma doutrina oficial por parte do Estado. Depois disso, de alguma forma, todas as demais Constituições brasileiras fizeram referência expressa ou não a tal liberdade, mesmo a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, vigentes num contexto de repressão", explica.
 
"A Constituição de 1988, então vigente, prevê textualmente a liberdade de ensinar no rol de princípios do ensino, em seu artigo 206."
Prêmio
Além de um certificado de premiação e um troféu, Amanda vai ganhar uma bolsa de pós-doutorado internacional de até 12 meses. Ela também recebe, da Fundação Conrado Wessel, um prêmio no valor de US$ 15 mil.
 
Apesar de ter concluído a pós-graduação na PUC-RS, Amanda é natural de São Luís (MA), onde é professora do ensino superior, desde 2009, na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB). Foi da sua vivência acadêmica que surgiu a pesquisa.
 
"Notei que, embora alunos, professores e corpo diretivo visem o mesmo fim, que é a aprendizagem, há um conjunto de demandas conflitantes e interesses internos e externos que tornam o processo educacional mais complexo do que já se sabe que ele é", comenta. 
 
"Basta pensar, por exemplo, na influência do Mercado sobre a composição de um projeto pedagógico ou de doutrinas religiosas sobre o objeto de pesquisa de um professor, no caso de IES confessionais. Nesse contexto, quis entender qual a dimensão da liberdade do professor de ensinar, em sala de aula, no ensino superior, quer dizer, o que realmente compete ao professor decidir no tocante ao conteúdo a ser ensinado e à metodologia a ser utilizada."
 
Ao fim, sua hipótese foi confirmada na tese e ela defende que "liberdade de ensinar do professor pode sofrer limites e restrições" somente relaciona ao conteúdo a ser ensinado e à metodologia a ser utilizada "sempre que isso se mostrar necessário para a preservação do núcleo caracterizador do projeto pedagógico".
 
"(...) não sendo esse o caso, afetações à liberdade de ensinar hão que ser consideradas inconstitucionais."
 
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