Qua, 15 de Fevereiro 2017 - 13:06
Sociólogo defende legado intelectual de Mano Brown em doutorado na Unicamp
Por: Ana Maria Lopes
Uma tese de doutorado apresentada à Unicamp é inspiração para professores que atuam com adolescentes nas grandes cidades. "A Periferia Pede Passagem: Trajetória social e Intelectual de Mano Brown”, do sociólogo Rogério de Souza Filho, discute a importância do movimento hip hop na transformação da vida de milhares de jovens, a partir da trajetória social e artística de rapper mais famoso do Brasil, Mano Brown.
Para o autor, o rap e outras linguagens artísticas forjadas nas periferias oferecem uma visão crítica do mundo, dão visibilidade social aos jovens e podem até resgatá-los da criminalidade.
O trabalho de 293 páginas é embasado em estudos culturais de autores como Stuart Hall, Raymond Willians e E.P. Thompson. O pesquisador baseou-se também na obra dos cientistas políticos Antonio Gramsci e Pierre Bourdieu, que teorizam sobre os campos sociais.
Mas é o conceito de 'modernidade líquida', do sociólogo polonês Zigmunt Baumann, que o autor utiliza para abrir a tese que apresenta Mano Brown como um dos mais expressivos intelectuais periféricos do Pais.
“Mano Brown se torna uma referência, não só pela parte artística, mas pela liderança, que passa por sua fala, pela postura, pelo olhar e até pela vestimenta”, explica Souza Silva.
Apresentado pelo autor como um 'sobrevivente do inferno', o músico Pedro Paulo Soares Pereira nasceu no extremo sul da capital paulista. Na liderança dos Racionais MC's, tornou-se um expoente do rap brasileiro e inspiração para milhares de jovens, que passaram a reconhecer nele suas origens, histórias e identidades culturais.
A tese do sociólogo Rogério de Souza Filho destaca que lideranças históricas, como Malcom X, Martin Luther King, Zumbi dos Palmares e Nelson Mandela, também são inspiração para os músicos e fãs do movimento hip-hop, na maioria das vezes “jovens, negros e pobres que buscam uma consciência para reivindicar o reconhecimento dos seus direitos”.
Filho de pai porteiro e mãe diarista, o sociólogo cresceu em um conjunto habitacional de Itapevi, estudou em escolas públicas e encontrou identificação na luta e trajetória dessas lideranças. "Os novos intelectuais podem estar ocupando um espaço que tradicionalmente, era dominado pelo intelectual moderno", defende Souza Filho.
Para o sociólogo, o surgimento desses 'autores e atores sociais' foi possível, entre outras coisas, pela sofisticação e consolidação de teorias que destacam a voz daqueles que não podiam falar, ou seja, daqueles que tradicionalmente vivem nas margens e fronteiras do capitalismo. É que os estudiosos culturais que embasam o doutorado de Souza Filho defendem que os valores estéticos baseados apenas na produção de livros e outras obras artísticas não podem servir de único referencial do nosso tempo.
"Por que as periferias não haveriam de forjar seus próprios intelectuais?, questiona Souza Silva, que aponta outros 'intelectuais periféricos' gerados pelo rap, como Rapin’ Hood, Thaíde, Marcelinho (Max BO) e Emicida.
A pesquisa destaca-se ainda por traçar a trajetória do rap brasileiro, desde os anos 80, época em que as grandes cidades passam a sentir os reflexos de anos de migrações em massa que transformaram camponeses em operários. Os trabalhadores braçais foram empurrados para periferias sem infraestrutura, que viram a explosão da violência e a marginalização dos mais pobres.
"O rap é a tradução da luta pelo reconhecimento e um apelo à não discriminação", resume o pesquisador, que transformou sua dissertação de mestrado, também sobre a cultura periférica, no livro "Cultura e Violência, Autores, Contribuições e Polêmicas da Literatura Marginal", lançado pela Editora Annablume
SERVIÇO: A tese de doutorado "A Periferia Pede Passagem: trajetória social e Intelectual de Mano Brown" está publicada na íntegra na Biblioteca Digital da Unicamp: www.bibliotecadigital.unicamp.br